domingo, 28 de setembro de 2014

Um post sobre o Dia dos Pais. Ou melhor, Dia dos Dois Pais.

Quem escreve sabe que, se você não tiver inspirado, não há obrigação que o faça conseguir escrever. Digo isso quando o “escrever” é um hobby. Todo jornalista tem na cabeça um lead para cuspir qualquer matéria a qualquer momento. Mas, sem dúvida alguma, quando a inspiração vem é quando saem as matérias mais bacanas.

O Dia dos Pais passou, mas não consegui escrever. O ritmo do trabalho tava tão intenso, que a vida se resumia a casa x trabalho, trabalho x casa. Coisa que a partir de agora tem previsão e determinação (minha) de mudar.

De qualquer forma, a pauta “Dia dos Pais” estava como pendente na lista do meu blog. Não como obrigação, mas como assunto que eu queria palavrear quando a vida profissional tivesse mais calma. Cá estou eu, então.

Eu tenho dois pais. Um de sangue e de vida, e um só de vida.

Waldyr é meu pai de vida desde os meus 5 anos. Com ele aprendi na prática a teoria do velho ditado “pai é quem cria”. O sangue tem o seu valor, mas se não houver presença, há falta. E da falta, não restam lembranças, afeto ou aprendizados.

Sabe aquele sonho de ver seu pai e sua mãe juntos de novo? Eu nunca tive. Por um simples motivo: Waldyr. No começo dei aquela rejeitada básica, não quis ele muito perto de mim ou da minha mãe, mas logo tudo mudou, e Waldyr ocupou um lugar cativo no meu coração e na minha vida.

Correto como ninguém que conheço, sempre me mostrou o caminho da honestidade, o lado íntegro da vida. Waldyr não gostava sequer de mentir ao telefone!

Trimmmmm
- Dy, atende. Se for pra mim, fala que não tô.
- Eu não... Você está. Se não quer falar, diz que não quer e pronto. Mas eu não vou mentir não...

Na época, eu morria de raiva mas hoje o admiro por isso. É claro que ele foi ponderando, e hoje já é capaz de falar que eu não tô se alguém me ligar e eu não quiser atender. Mas sempre que isso acontece, eu lembro que a essência dele não é essa.

Waldyr me apontou a direção da correção, mesmo muitas vezes eu achando que era exagero. Me ensinou que, ser honesto e íntegro são virtudes que poucos têm. 
Alem de tudo isso, me ensinou a ver a Matemática de forma mais simples (ou melhor, tentou, porque eu ainda continuo achando dificílimo), me ajudou nos problemas (insolúveis) de Física, treinou comigo o inglês que eu aprendia no cursinho, tentou (só tentou porque não conseguiu) me ensinar russo e alemão, e deu um dos apelidos que mais gosto: Mara Pirua.

Até hoje, quando ligo ou trocamos e-mails, ele me chama de Pirua. Muita gente acha engraçado, e pensa no lado pejorativo do apelido, mas eu sei bem o que está dentro dessa palavrinha. E é só sentimento bom.
Obrigada, Dyzinho, por tudo.

Já meu pai de sangue é o Clersio, e foi quem me fez entender o Complexo de Édipo à sua melhor maneira: vivendo. Eu sou louca pelo meu pai. Mas não foi sempre assim.

Meu pai era bem rígido quando eu era pequena. Não rigido na educação ou na forma de ver a vida (pelo contrário), mas na forma de ver o mundo. Ele era rígido com ele mesmo, o que passava diretamente às pessoas com quem ele convivia. 

De esquerda, ainda na fase áurea e firme de sua ideologia, tinha posições muito categóricas do mundo e de como as pessoas deveriam reagir a esse mundo. Eu, criança, tinha muita dificuldade em entender e aceitar aquela forma de vida, o que logicamente levava a um afastamento entre nós. Eu era filha única de um pai cheio de ideologia, que acreditava que ainda era possível mudar o mundo.

32 anos depois, hoje sou a mais velha de 4 filhos. A ideologia do meu pai é a mesma, mas a postura é outra. Acho que todo mundo acaba "amolecendo" quando vê que, por mais que você lute muito, o rumo da realidade não está sendo o que você sempre quis. Acho que vamos entendendo que somos partículas, e não havendo união com organização, a ideologia acaba ficando sempre como ideologia.

Meu pai lutou (e ainda luta) muito por um Brasil melhor, mas acho que vendo o rumo do país escolhido pela maioria do seu povo, ele entendeu que ninguém é capaz de mudar o todo quando as partes estão tão segmentadas, perdidas e mal organizadas. Ele continua fazendo o papel dele, mas acho que entendeu que essa batalha, infelizmente, ele não vai ganhar.

É claro que nem por isso ele se tornou uma pessoa passiva ou ideologicamente morna. Acho (porque tudo que tô escrevendo é o MEU ponto de vista) que ele aceitou que o poder de mudança dele tem limites, e resolveu viver da melhor forma com isso.

Eu só digo uma coisa: ainda bem que eu tô dentro da linha de atuação do meu pai. Agradeço muito por isso. Sempre morei na Zona Sul, estudei em colégios e faculdade particulares, mas nunca deixei de saber o que acontecia fora da “bolha” em que eu estava. Meu pai sempre me dizia: você vai ter a melhor criação do mundo, porque seus pais hoje podem dar isso a você, mas não vai ser menininha Zona Sul alienada não.”

Confesso que várias vezes eu ouvia isso e sentia um peso imenso nas minhas costas, mas hoje agradeço muito por meu pai ter sido tão realista (e até mesmo enfático) comigo. Era comum nos finais de semana, ele me pegar e irmos de trem até “aquele lugar que eu não sabia o nome” e, no caminho, ele ir me explicando toda a historia dos lugares. Às vezes, o passeio era de ônibus e ele ficava todo o tempo apontando os lugares e contando a história de cada um deles. Pra quem não sabe, além de sociólogo, meu pai é professor de História e Geografia.

Outra vezes íamos ao Jardim Botânico catar os jambos que caiam das árvores, ou ao teatro ver Intrépida Trupe, ou ao Bar Lagoa comer frango a passarinho, ou à praia no Posto Nove, com direito a sanduíche de linguiça na barraquinha do uruguaio Milton e Bar do Beto depois. Era sempre eu, ele e um bando de amigos dele. Acho que nenhuma criança se envolve em papos de adultos enquanto é pequena, mas ter crescido num ambiente onde se discutia tanto o rumo do país, as condições sociais do Brasil, e as possíveis soluções para tanta desigualdade fez de mim quem eu sou.

Tô longe de ser uma ativista política, mas graças ao meu pai (e a minha mãe e meu padrasto – para ser justa) tenho consciência do país e do mundo em que vivo. Agradeço muito aos meus pais por ter a vida que tive, mas principalmente por viver essa vida tendo a real noção de como o mundo é “lá fora”.

Se Waldyr me indicou sempre o caminho da honestidade, Clersio me indicou sempre o caminho da solidariedade. Como ele mesmo diz, “tão fora de moda hoje”.

- Minha filha, se todos partissem do principio que ninguém é melhor do que ninguém, o mundo certamente seria bem melhor.

Obrigada, pai. Como você disse ao vovô quando ele faleceu: “Prometo criar meus filhos (e continuar criando a mim mesma) de acordo com os valores com que você me criou.”

Êta sorte a minha! Dois pais, um milhão de lições de vida.

Clersio à esquerda, Waldyr à direita e uma filha muito feliz entre seus dois pais.

3 comentários:

  1. Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh bate coração!!!!

    ResponderExcluir
  2. Olá minha filha !!! Comovente o seu texto. Fico feliz que possas escrevê-lo, o que quer dizer que vc soube assimilar o valor de coisas nas quais, ainda, acredito,acreditamos: solidariedade, (tão fora de moda...) honestidade e a esperança de um mundo melhor pra todos.
    Beijão do papai.

    ResponderExcluir