Bem, a primeira vez fui a NY foi com o meu pai. E pra quem não sabe, meu pai é sociólogo, professor de História e Geografia, guia turístico e colecionador de antiguidades. Hoje, ele tem um antiquário e trabalha só com isso. Só mais ou menos, porque trabalha se segunda a segunda. Guerreiro.
Viajamos em 2000. Eu estava no ano do vestibular e no 11º ano de Santo Agostinho. Um ano difícil. Meu pai propos viajar e eu adorei. Fiquei surpresa pois jamais pensei que viria do meu pai um convite para viajar aos Estados Unidos algum dia. Mas aconteceu.
Claro, que ir aos Estados Unidos com meu pai não é uma viagem "padrão", a que todo mundo faz. Ele dizia que o único lugar dos EUA que ele queria conhecer era NY; por causa da "cosmopolitaniedade" do local.
- Nova Iorque está nos Estados Unidos, mas não é Estados Unidos.
Ok, eu queria mesmo é ir. Podia ser o que ele quisesse.
Ficamos em New Jersey, na casa do filho de um amigo do meu pai. As outras vezes que fui, fiquei em Manhattan, e definitivamente ficar em NJ não é a mesma coisa que ficar no centro de tudo. Mas estava ótimo! A gente ia e vinha todo dia a Manhattan de metrô. 30 minutos. Super fácil.
Eu fui a NY mais 2 vezes. Pude ter a certeza que ir com meu pai é uma experiência sem igual. Com os amigos você vai a museus, peças, exposições, mas também vai às compras. Com meu pai a negociação para as compras era diária e cansativa. Por ele, a gente só ia a museus, pontos turísticos e comia em lugares saudáveis.
Para vocês não pensarem que eu sou uma alienada, todas as vezes que fui a NY fui a museus, peças e pontos turísticos (e não turísticos, que muitas vezes são bem mais legais que os lugares "tradicionais"). Em NY tudo muda o tempo todo. A NY de 2000 não era mais a NY de 2012. A cidade tem vida própria e é incansavelmente mutante. Acho que se você for todo ano a NY, você vai ver coisas diferentes sempre. Acho não, tenho certeza.
Pois bem, entre os museus, exposições e refeições sempre a base de comida, COMIDA, eu conseguia entrar em uma loja ou outra. A gente sempre tentava negociar uma forma de eu ir sozinha e ele fazer outra coisa. De vez em quando saía uma briga imensa porque eu queria entrar em alguma loja sem uma combinação prévia. Ele sempre discutia muito, dizia que ia me deixar sozinha e seguir pro destino. Eu dizia que tudo bem e entrava na loja em questão. Quando via, estava ele lá, entre uma prateleira ou outra, tentando se esconder.
Meu pai é o famoso pai babão que se faz de duro. Às vezes ele é duro, mas acho que todo pai é. A grande questão é que ele é de esquerda e, no caso dele, ser duro é discordar de coisas que a maioria das pessoas fazem. Ex: ele nunca gostou que eu usasse roupa com palavras em inglês ou almoçasse no Mac Donald's. Até acontecia, mas tinha sempre um sermão acompanhado.
Voltando pra NY... Combinamos um dia para eu ir e ficar um tempo razoável na Macy's. Pra quem não sabe, Macy's é uma loja de departamento que tem uns 6 andares. Qualquer pessoa (pelo o menos, qualquer mulher) fica enlouquecida la dentro. Combinamos um horário na porta da loja e nos separamos.
Eu literalmente me joguei na Macy's. Nunca tinha visto algo como aquilo. Nem cheguei a subir; o primeiro andar me consumiu todas as horas que eu tinha para aproveitar a loja.
Deu o horário marcado, e eu fui pra porta. Passam 5 minutos.... 10 minutos.... 15 ... 20 .... 30 .... 40 .... Bem, do jeito que meu pai é atrasado, eu supus que ele tivesse se perdido na hora, e entrei na loja novamente.
Pensei: "Bem, eu tô aqui segura. Ele me acha." E fiquei no primeiro andar, vendo as milhões de lojas que tinham lá.
Em algum momento, um vendedor me disse que eu tinha direito a descontos por ser turista e fui pegar o livreto de cupons dos descontos. (Essa é uma boa dica pra quem vai pra lá. Tudo pode e deve ter desconto.).
Para pegar o livreto, tive que subir uma escada para um lugar específico de turistas.
Lá dava pra ver o primeiro andar de uma forma geral....
De repente, olhei pra baixo e vejo meu pai adentrar (o que é BEM diferente de entrar) na Macy's. Ele estava acompanhado de uns 3 policiais nova iorquinos e andando muito rápido.
Sabe aqueles que aparecem em filme policial? Eles mesmos. Iguaiszinhos.
Por segundos eu achei que aquilo fosse um engano, que não era meu pai. Mas logo vi que era sim, e ouvi ele falando: "my doter, my doter". (Tô escrevendo dessa forma porque ele falava desse jeito. Exatamente assim: doter.)
Fui descendo as escadas pro primeiro andar e disse:
- Pai.......!?
Ele, e os três policiais, me olharam.
- Mariiiiina! Minha filha! My doter!
Mas ele falou alto,BEM ALTO. Quase todo o primeiro andar da Macy's parou para olhar a cena.
Ele correu, me abraçou e ficou repetindo:
- Marina, Marina, my doter, minha filha....
Os três policiais ficaram olhando a cena. Eles e mais umas 200 pessoas.
Eu expliquei que fiquei na porta 40 minutos e resolvi entrar de novo. Claro que depois de saber que eu tava bem, ele ficou puto e disse que eu não tinha cumprido o que tínhamos combinado. Foi uma discussão de uns 10 minutos até entendermos que a loja tinham 4 entradas/saídas. Ele chegou no horário marcado em uma entrada e eu estava em outra. Simples e idiota assim.
Você achou que acabou? Nananinanão.....
Um dos policiais veio falar comigo.
- Menina, seu pai disse que você poderia ter sido sequestrada. Aconteceu algo? Você está bem?
Sinceramente, eu não sei como meu pai falou de sequestro com os policiais. O inglês dele é básico, e ele só conseguia se comunicar misturando palavras e mímicas. Sofro em pensar como ele possa ter feito sequestro em gestos, meu Deus... Mas acho que no desespero as pessoas conseguem se comunicar.
- Não, senhor, estou bem. Foi um mal entendido, desencontro. Respondi já rindo.
Super sérios, eles fizeram sinal de "ok" com a cabeça e foram embora.
Ficamos eu e meu pai no meio da Macy's sob os olhos das pessoas. Me senti obrigada de falar alguma coisa...
- I'm ok, I'm ok.
Todos aplaudiram. Morrendo de vergonha, a gente saiu rápido da loja. Não ousei pisar mais lá. Ou melhor, não nessa viagem.
Voltei a NY em 2010, mas acho que ninguém lembrou de mim não.